quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Ranca tôco na ribada

A vasta diversidade que forma o mosaíco cultural do Brasil é mesmo impressionante. De norte a sul, de leste a oeste, este país escancara ao mundo sua profunda capacidade cultural, cravada nos modos e jeitos de seu povo. E mesmo com toda a capacidade artística, em toda a sua dimensão, nada há que mais carcterize um povo do que seu aspecto linguístico. Tão dinâmico e necessário é esta porção da cultura para a racionalização de um lugar que não admiramos quando Pessoa já discurssava "Minha pátria é minha língua".
E se toda a opulência artística de um povo se concretiza e se traduz, em última análise, pela presença marcante de sua língua é fundamental que esta porção seja levada com mais cuidado pelos nossos entendidos. Não que eu desvalorize, de forma alguma as outras formas de artes, sei que aquelas também expressam muito bem nossa alma miscigenada e nossas raízes mais amargas. Assim, não quero que elas sejam esquecidas, apenas que a língua sobressaia, sim, altaneira e saliente sobre as demais, por ser, em justa causa, uma espécie de mãe de todas as demais.
E mesmo quando louvamos o último traço do pintor sobre a tela, assim o fazemos pela fala: Que incrível! E veja que vai daí uma grande realidade, pois que, ainda os mudos que nada falam expressam mesmo com grunhidos e sons estridentes, no "gutural do som" como quer o Casasanta, mas que há uma comunicação, um dialeto qualquer que diz de seu louvor, de seu agrado ou desagrado.
E como é grande o valor dialetal. Uma amiga gaúcha que tenho costumava sempre me escrever e fazia questão de inicar ali e acolá o seu parágrafo com o tradicional "Bah! Tchê!". Mário, aquele mesmo, malungo Mário que divide comigo essa missão ora penosa, ora divina, ora infernal, me escrevia falando de Nietzsche e expressava, naturalmente "Sô!", "Uai!", "Trem bão!", mineiro que é que jamais deixa de ser, por isso tão grande alma, tão original. Um outro amigo, paraibano que estimo como um irmão, Salustiano, diz palavras tão próximas de sua terra que mais pareço estar na Paraíba de Patos ou Cajazeiras do que no agreste baiano. "Tu vai butar os causos do homem", "Esse bicho é um cabra sem vergonha!" e quando conta um causo aqui e outro acolá fala do "corta-jaca", "das presepadas", do xerém...
Não, amigos leitores meus, não estranhe esta mistura alucinante. Está no Brasil de minha terra natal, o mesmo Brasil de Dumont e Cascudo, de Gonzaga e Elomar, de Castro Alves e Machado de Assis. Está no Brasil das hospitalidades marcantes, no Brasil da Semana de Arte Moderna, no País do Carnaval, de Garrincha, Pelé e Oswaldo de Andrade, tão misturados quanto o poema dele da chegada dos portugueses, por que de fato, aqui, misteriosamente, tudo vira carnaval, tudo vira outra coisa, qualquer que seja ela, porém sei que é qualquer coisa de melhor por que é muito nosso, brasileiríssimo, inovar e inovar muito e inovar sempre.
E lá na caatinga de minha terra, há também uma outra língua, uma outra forma, uma outra posição de falar. Não que falemos errado, não que falemos certo, falemos à catingueira e quem não gostar, o que podemos fazer? Estudamos, aprendemos um pouco daquilo convencionalmente correto e deveríamos seguir assim... Mas eu não sei direito, não entendo se foi a fruta de palma ou o doce áspero da fruta de juá; Não sei se foi o amisco que o bode tem e o carneiro não, seja lá o que for que excita as minha papilas gustativas, minha língua coça e tenho que falar assim, por que afinal sou, necessariamente um homem sertanejo.
Eu sou o boi arribado e não houve, até hoje vaqueiro bom, de gravata ou não, de guatambu ou não, que houvesse corajosamente de embremhar-se na caatinga e me tirado daqui. Não faltara a alguns a tentativa efêmera, mas é que o cheiro forte do alecrim cheiroso embalsamando os ares com o seu perfume suave o convencera dessa mesma verdade e quantos já não viraram catingueiros!

Malungo André

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